Na verdade, é do conhecimento geral que o desporto tem um efeito positivo na nossa saúde e também pode ajudar nas doenças. No entanto, isto ainda é muito pouco ensinado nas instituições de formação médica decisivas e insuficientemente aplicado na prática. O objectivo aqui é apresentar uma publicação que examine a influência do treino físico na patogénese, sintomas, aptidão física e qualidade de vida de uma forma clara e, acima de tudo, altamente científica.
Em vários aspectos, a medicina desportiva é um campo complexo. No entanto, não é demasiado simplista considerá-lo como a interface entre a medicina e o desporto, onde ambos os campos beneficiam das características “biológicas” do outro. Este é classicamente o caso dos desportistas, que beneficiam dos constantes avanços diagnósticos e terapêuticos na medicina. No entanto, isto também se aplica na direcção oposta: menos conhecido, ou pelo menos menos menos tido em conta na prática médica diária, é o facto de muitos pacientes poderem retirar benefícios dos efeitos extraordinariamente diversos, por vezes inimagináveis, do desporto.
Hoje queremos olhar mais de perto para este lado menos conhecido, em que uma questão de definição tem primeiro de ser esclarecida.
O que é o desporto e porque é que ele nos beneficia?
Por desporto entendemos a actividade física medida, controlada e sensata e, claro, não as formas intensas de treino utilizadas no desporto de competição. Apesar de já existirem relatórios convincentes sobre o “High Intensity Interval Training” (HIIT) na reabilitação de doentes cardíacos! Por exemplo, um jornal publicou recentemente a manchete: “Treino de alta intensidade em intervalos também para insuficiência cardíaca – Quem beneficia do rápido reforço do miocárdio e da circulação? O artigo salienta também o importante papel da monitorização e apela a mais estudos que testem a viabilidade do HIIT em doentes cardíacos e discutam os efeitos a longo prazo.
Além disso, há numerosos outros artigos da imprensa médica que manchem o tema. Alguns afirmam: “Correr melhora a visão”, “Desporto contra alta pressão: 20 mmHg é fácil”, “Treino de resistência é bom para pessoas com insuficiência cardíaca”. Os outros afirmam: “Mesmo que os pulmões já não gostem muito, o exercício é importante” ou “A actividade física fortalece os ossos”.
Os efeitos positivos sobre os factores cognitivos e emocionais são também relatados: “Prevenir o declínio cognitivo: mais argumentos a favor da actividade física”, “Os efeitos do treino físico sobre os sintomas de ansiedade”, “O exercício regular faz crescer novas células cerebrais”, “Jogging for the grey matter”, até trocadilhos como “Mais forte, mais saudável, mais inteligente: o poder curativo do desporto”.
Quase todas as doenças parecem ser positivamente influenciáveis com o desporto controlado: “A actividade física é uma das principais terapias para a diabetes tipo 2”, “A actividade física reduz a mortalidade no cancro da próstata”, “Poderes contra a fadiga em doentes com cancro”, “A actividade física intensa revela-se eficaz na psoríase” e “Na doença de Parkinson, o exercício suave melhora a capacidade de caminhar”.
Fala-se também de efeitos positivos na vida sexual (“Agachamentos mantêm a erecção”) e o desporto é mesmo visto como uma medida que prolonga a vida (“Treino físico: apenas 15 minutos por dia aumenta a esperança de vida”).
Existe alguma prova?
Embora a maioria destas declarações espectaculares se baseie em investigações científicas sérias, nem todas elas foram reproduzidas e testadas por outros grupos de investigação.
Isto é diferente no número especial 1 do Scandinavian Journal of Medicine&Science in Sports (Vol 16, Fevereiro de 2006), que vale bem a pena ler. Neste excelente trabalho, os autores B.K. Pedersen e B. Saltin examinou meticulosamente as provas de prescrição de actividade física como terapia para doenças crónicas na literatura e compilou os antecedentes científicos, a base racional do exercício, como fazer exercício e conselhos práticos sobre como fazer exercício em 18 patologias diferentes. Foram analisadas doenças metabólicas como a resistência à insulina, diabetes tipo 2, diabetes tipo 1, dislipidemia e obesidade, doenças cardiovasculares como a hipertensão, doença coronária, insuficiência cardíaca crónica e claudicação intermitente, doenças pulmonares como a asma e DPOC, mas também problemas do sistema músculo-esquelético como a artrose, artrite reumatóide, osteoporose e mesmo fibromialgia e “síndrome da fadiga crónica”. Foi também analisado o efeito do exercício sobre o cancro e a depressão.
Para cada doença, a evidência do efeito da actividade física sobre a patogénese, sobre os sintomas típicos da doença, sobre a aptidão física alcançada e sobre a qualidade de vida é apresentada numa tabela muito clara.
Hipertensão arterial, COPD, asma
Por exemplo, de acordo com este artigo, o exercício mostra consistentemente fortes provas de efeito sobre a patogénese, sintomas, aptidão física e qualidade de vida na hipertensão. O mesmo se aplica à doença COPD com excepção da patogénese: aqui não há qualquer prova até agora de que o exercício tenha um efeito positivo.
Isto também não é confirmado para a asma. Contudo, a formação tem provas limitadas sobre os sintomas, provas moderadas sobre a qualidade de vida e provas fortes sobre a aptidão física.
O desporto é o melhor remédio
Deve ser novamente realçado: Esta visão aparentemente optimista da elevada eficácia da actividade física baseia-se em provas científicas muito fortes e, na verdade, há que ficar bastante surpreendido com o facto de estes resultados não serem mais claramente ensinados e, sobretudo, não serem aplicados com maior frequência na prática quotidiana. Com base em certos estudos e para certas formas de doença, foi mesmo demonstrado que o exercício é mais eficiente do que a terapia convencional! Sem falar de preço e efeitos secundários.
Cinco anos após a publicação, pode argumentar-se que as provas se tornaram, quando muito, ainda melhores, o que defende outras indicações, tais como as do campo neuro-cognitivo.
É de grande importância que num futuro próximo a arte de prescrever actividade física encontre o lugar que merece na medicina: “Se o exercício pudesse ser embalado num comprimido, seria o medicamento mais amplamente prescrito e benéfico na nação. Se ao menos os médicos estivessem cientes deste facto”! Voltaremos a este assunto.
PRÁTICA DO GP 2014; 9(2): 5-6