A utilização de produtos à base de plantas e de medicina complementar está generalizada em todo o mundo e é frequentemente utilizada em combinação com terapias médicas convencionais. Neste artigo, relatamos um caso de lesão hepática grave induzida por plantas (HILI ) causada pelo consumo crónico de chá verde e de um batido de proteínas.
(vermelho) A lesão das células hepáticas causada por medicamentos (DILI, Drug-Induced Liver Injury) é um problema médico importante, uma vez que pode conduzir à morbilidade e à mortalidade. A hepatotoxicidade causada por medicamentos ou produtos à base de plantas pode levar a uma disfunção hepática grave, que, no pior dos casos, pode causar insuficiência hepática. As lesões de tipo II, que ocorrem de forma “imprevisível” e independente da dose ou da duração da utilização e que só se observam em indivíduos predispostos, são particularmente problemáticas. Nestes casos, a toxicidade hepática passa frequentemente despercebida até à ocorrência de danos significativos.
Os fitoprodutos são frequentemente vistos como alternativas naturais e, por conseguinte, inofensivas aos medicamentos convencionais. Esta perceção, associada à falta de um controlo regulamentar rigoroso de muitos produtos à base de plantas, conduz a um risco acrescido de reacções adversas a medicamentos (RAM). Nos últimos anos, têm aumentado os relatos de lesões hepáticas induzidas por fitoterapia (HILI), particularmente com produtos comercializados para perda de peso ou como suplementos dietéticos. O chá verde e os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) estão entre os produtos que têm sido associados à hepatotoxicidade.
Relatório de caso
Um homem de 39 anos, anteriormente considerado saudável e que não tomava medicação regularmente, foi encaminhado para investigação adicional devido a enzimas hepáticas elevadas. Dois meses antes, tinha começado a tomar um suplemento dietético diário contendo chá verde e BCAA, juntamente com um batido de proteínas. O doente não consumia quantidades excessivas de álcool ou bebidas açucaradas. O exame físico e a ecografia do abdómen não revelaram quaisquer anomalias. No entanto, os valores das enzimas hepáticas (ALT, AST, GGT) estavam significativamente elevados, como se pode ver no quadro 1.
Depois de consultar o doente, recomendámos que parasse imediatamente com os suplementos dietéticos. Com o tempo, as enzimas hepáticas baixaram para níveis normais. Não foi efectuada uma biopsia hepática e o doente recusou-se a retomar a toma dos produtos para verificar a reação. Em vez disso, foi efectuado um ensaio de toxicidade linfocítica (LTA) para confirmar o efeito tóxico dos produtos.
Métodos
O ensaio de toxicidade linfocítica (LTA) é um método in vitro utilizado para avaliar o efeito tóxico das substâncias sobre as mitocôndrias. Neste caso, os linfócitos do paciente foram incubados, após isolamento, com os produtos em questão (chá verde, batido de proteínas e a sua combinação). O teste MTT (redução de um sal de tetrazólio amarelo a formazan violeta) foi utilizado para determinar a atividade da succinato desidrogenase mitocondrial (SDH) como medida da viabilidade celular. A toxicidade dos produtos foi expressa como uma diminuição percentual da atividade mitocondrial em relação ao grupo de controlo (sem produto).
Além disso, examinámos o perfil imunológico do doente, em particular a produção de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias. As amostras de soro do doente foram analisadas em relação a citocinas como a IL-1β, IL-8, IL-15, TNF-α e VEGF, que se encontram tipicamente elevadas em casos de reacções de hipersensibilidade. Foi utilizado um ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática) para quantificar estas proteínas.
Resultados
Os resultados do LTA revelaram uma redução significativa da atividade mitocondrial nos linfócitos do paciente, o que indica uma toxicidade mitocondrial. É particularmente notável o facto de a combinação do chá verde e do batido de proteínas ter um efeito tóxico mais forte do que os produtos isolados. Isto indica que a combinação dos dois produtos teve um efeito tóxico sinérgico nas mitocôndrias.
Imunologicamente, as amostras de soro do doente revelaram níveis significativamente elevados de citocinas pró-inflamatórias. A IL-1β foi elevada em 1,8 vezes o valor normal superior, enquanto a IL-8 e a IL-15 atingiram 2 vezes. O VEGF foi mesmo elevado 10 vezes, indicando uma resposta inflamatória maciça e potenciais danos na vasculatura do fígado. Os marcadores de danos celulares mostraram que a maioria dos danos nas células hepáticas foi causada por necrose e não por apoptose, como evidenciado pelos níveis elevados de ccK8 (M65).
Este relato de caso mostra as consequências potencialmente graves da toma de fitoprodutos em combinação com suplementos alimentares. Embora o chá verde e os batidos de proteínas sejam considerados relativamente seguros individualmente, a sua combinação pode desencadear uma reação tóxica excessiva em indivíduos susceptíveis, conduzindo a lesões hepáticas graves. Neste caso, a combinação de disfunção mitocondrial e de uma forte resposta imunológica conduziu a uma hepatotoxicidade pronunciada.
O aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias, em particular TNF-α e TRAIL, indica danos nas células hepáticas causados pela ativação imunitária. Este tipo de reação é típico das reacções idiossincráticas a medicamentos (iDILI) em que as predisposições genéticas ou imunológicas desempenham um papel importante. O doente apresentou uma reação imunitária pronunciada aos produtos, que pôde ser detectada pelo teste LTA mesmo meses após a exposição.
Outra questão importante é a falta de regulamentação de muitos suplementos alimentares à base de plantas. Uma vez que estes produtos são frequentemente classificados como alimentos ou suplementos dietéticos, não estão sujeitos aos mesmos testes rigorosos que os medicamentos convencionais. Consequentemente, os riscos potenciais para a saúde do fígado só são frequentemente reconhecidos quando ocorrem danos graves. Dada a crescente popularidade destes produtos, é importante que tanto os profissionais de saúde como os consumidores estejam conscientes dos riscos potenciais.
Conclusão
O caso aqui descrito sublinha a necessidade de uma maior monitorização e notificação de lesões hepáticas induzidas por fitoterapia. Apesar da crescente popularidade dos remédios à base de plantas, o seu risco potencial de lesão hepática não deve ser subestimado. Em particular, a combinação de produtos como o chá verde e os batidos de proteínas pode levar a lesões hepáticas graves em certos casos. As normas internacionais para a avaliação e notificação de casos de HILI são essenciais para aumentar a sensibilização para os riscos potenciais e melhorar a proteção dos doentes.
Fonte: Malnick S, Abdullah A, Maor Y, Neuman MG: Hepatocitotoxicidade induzida por fitoterapia: um relato de caso. Curr Issues Mol Biol. 2024 Jul 16; 46(7): 7548-7557. doi: 10.3390/cimb46070448. PMID: 39057089; PMCID: PMC11275310.
PRÁTICA DE FITOTERAPIA 2024; 1(1): 12-13