A hepatite C crónica é uma das causas mais comuns de doença hepática avançada e transplante hepático na Suíça. Para pessoas com uma infecção crónica pelo HCV, no entanto, a situação melhorou significativamente nos últimos anos, porque é possível alcançar altas taxas de cura com novos medicamentos. No 55º Curso de Educação Médica Contínua em Davos, o Prof. Dr. med. Markus Heim, Hospital Universitário de Basileia, apresentou as actuais orientações terapêuticas – e também as razões pelas quais os especialistas não estão inteiramente satisfeitos com o actual estatuto de aprovação das novas substâncias activas.
Na Suíça, entre 70.000 e 100.000 pessoas estão infectadas com hepatite C, mas apenas cerca de metade das pessoas afectadas sabem da doença. A hepatite C é mais comum nas coortes “baby boomer” (agora com 40 a 60 anos). Em cerca de dois terços das pessoas infectadas, a hepatite C torna-se crónica, e em 20-50% destas pessoas a doença é progressiva. Isto significa que ao longo das décadas, a cirrose hepática desenvolve-se, e em cerca de 5%, o carcinoma hepatocelular. Um teste de anticorpos contra o HCV é recomendado não só para sinais clínicos ou laboratoriais de hepatite C, mas também para membros de grupos de risco (Quadro 1).
Terapia da hepatite crónica C em convulsões
As taxas de cura para a hepatite crónica C aumentaram de forma constante nos últimos 25 anos. Nos anos 90, quando o tratamento só era possível com interferão, a taxa de cura era de 15-20%, mas com a adição de várias substâncias antivirais, subiu para 75% nos últimos anos. No ano passado, várias substâncias activas foram agora aprovadas na Suíça que têm boa tolerabilidade e excelente eficácia. “Em alguns grupos de doentes, a taxa de admissão de vírus é de 99-100%”, salientou Markus Heim. Estas substâncias antivirais são sempre administradas em combinação, mas sem interferão, devido ao possível desenvolvimento de resistência.
As novas substâncias activas estão divididas em três grupos (Tab. 2), dependendo da enzima ou proteína do metabolismo viral que inibem. Que substâncias são tomadas em que combinação e com que duração da terapia depende do genótipo do HCV, da fase de cirrose e dos pré-tratamentos.
“As directrizes relevantes são complicadas e estão em constante mudança”, disse o orador. “É por isso que tem sempre de se actualizar antes de iniciar a terapia”. Vários websites com as recomendações americanas, europeias e suíças servem este propósito (Tab. 3). Em princípio, as directrizes europeias seriam aplicáveis à Suíça, mas uma vez que as aprovações na Suíça não correspondem às do resto da Europa, tiveram de ser elaboradas directrizes suíças.
Limitações – nem sempre sensatas
Como os novos medicamentos são caros, a FOPH introduziu limites às prescrições, alguns dos quais são muito complexos. Isto inclui que os tratamentos só podem ser realizados por especialistas com experiência no tratamento da hepatite C.
Actualmente, apenas pacientes com fibrose hepática avançada podem ser tratados com as novas substâncias (fases F2-F4; F2 = moderado, F3 = grave, F4 = cirrose hepática). Por conseguinte, antes de iniciar a terapia, o grau de fibrose deve ser determinado, quer com uma biopsia hepática quer com uma fibrosscan (medição não invasiva da rigidez hepática). “Ambos os métodos têm as suas fraquezas e inexactidões”, disse o orador. A fibrose nem sempre afecta todo o fígado por igual, pelo que o tecido não fibrótico pode ser obtido durante uma biopsia, mesmo que a fibrose avançada já esteja realmente presente. A rigidez do fígado é também bastante variável: por exemplo, os pacientes com estágio 2 podem ter a mesma pontuação de rigidez que os pacientes com fibrose hepática de estágio 3. Isto tem implicações concretas: “O actual valor de corte de 7,5 kPa significa que até dois terços de todos os pacientes com fibrose em fase 2 não podem ser tratados porque o seu valor de rigidez é inferior a isto”.
Os pacientes com infecção pelo HCV após transplante de órgãos ou células estaminais podem já ser tratados a partir do estádio de fibrose F0 – mas apenas com Harvoni®. Isto só é aprovado para pessoas infectadas com o genótipo 1 do HCV. Isto significa que os pacientes transplantados infectados com HCV com um genótipo diferente não podem ser tratados. Para o orador, esta é uma situação absurda: “Temos de esperar que a fibrose hepática se desenvolva nestes doentes para que a terapia seja paga pelo seguro de saúde”.
Porquê tratar de tudo?
Devido aos elevados custos e ao grande esforço, coloca-se de vez em quando a questão de saber porque é que os pacientes devem ser tratados. Mas há razões médicas suficientes para isso:
- A redução da inflamação pára o processo de fibrose. Em alguns pacientes, o grau de fibrose até diminui após a erradicação.
- A erradicação reduz o risco de cancro do fígado em 70%.
- A erradicação reduz a mortalidade por doenças hepáticas em 90%.
- A remissão parcial ou completa ocorre em 75% dos doentes com linfoma não-Hodgkin associado ao HCV ou doença proliferativa linfática.
- A qualidade de vida dos pacientes tratados melhora.
E o que é que o futuro nos reserva?
“A hepatite C passou de ser a causa mais comum de transplantes de fígado para uma doença curável nos últimos dois anos”, o orador teve o prazer de dizer. Esta evolução positiva vai continuar. Nos próximos anos, é de esperar que sejam aprovados medicamentos eficazes para todos os genótipos. As taxas de cura estão também previstas para aumentar: Um estudo recente com a terapia combinada de sofosbuvir e velpatasvir mostrou taxas de cura até 100%, e foram conseguidas erradicações mesmo em doentes com cirrose hepática descompensada. Espera-se que os custos dos medicamentos também diminuam para que todos os pacientes com HCV, independentemente da fase de fibrose, possam ser tratados no futuro. Além disso, serão desenvolvidas normas terapêuticas mais simples para que o tratamento possa ser fornecido não só por especialistas mas também por especialistas em medicina interna em geral.
Neste momento, no entanto, existem ainda outros desafios no que diz respeito à infecção pelo HCV, por exemplo a identificação de pessoas infectadas pelo HCV e o desenvolvimento urgente de uma vacinação profiláctica – porque na maioria dos países, as pessoas também não serão capazes de pagar a erradicação do HCV no futuro.
Fonte: 55ª Educação Médica Contínua Davos, 7-9 de Janeiro de 2016
PRÁTICA DO GP 2016; 11(2): 30-31