Os doentes com dor esperam muitas vezes anos por um diagnóstico e recebem depois um tratamento inadequado, uma vez que a dor é negligenciada como um sintoma central. Este problema de cuidados esteve no centro do Congresso Alemão da Dor. Para evitar que a dor se torne crónica, é necessária uma abordagem interdisciplinar – e uma ação mais rápida. As abordagens digitais podem dar apoio neste domínio.
Em tempos de escassez de recursos no sistema de saúde, as aplicações digitais de saúde (DiGAs) representam uma oportunidade promissora para aliviar a carga dos cuidados médicos, melhorando simultaneamente a segurança dos doentes e a qualidade do tratamento. Isto aplica-se, em particular, a doenças crónicas como a dor e as dores de cabeça, que estão frequentemente associadas a um stress considerável para as pessoas afectadas e são exacerbadas por comorbilidades como a depressão. As aplicações digitais para a gestão e redução da dor oferecem uma vasta gama de benefícios. Os programas apoiados por algoritmos permitem que os doentes documentem os seus sintomas de dor, monitorizem a evolução da sua doença e realizem exercícios específicos para gerir a sua dor. Isto não só alivia a carga dos médicos e terapeutas, como também reforça a auto-eficácia dos doentes, uma vez que estes participam ativamente no processo de tratamento. Especialmente no caso de doenças de cefaleias, como a enxaqueca, as DiGAs oferecem aos doentes acesso a uma terapia multimodal da dor que não está disponível no contexto analógico.
Lidar com as comorbilidades
Outro aspeto fundamental é lidar com co-morbilidades, como a depressão, que muitas vezes andam de mãos dadas com a dor crónica. Aqui, as abordagens digitais multimodais que tratam tanto os sintomas físicos como os psicológicos podem alcançar um sucesso duradouro. As DiGAs não só oferecem apoio à estabilização psicológica, como também utilizam técnicas como a terapia cognitivo-comportamental e as técnicas de relaxamento para ajudar os doentes a lidar com a dor e a depressão em igual medida. Isto pode reduzir a utilização de medicamentos e melhorar significativamente a qualidade de vida dos doentes. Tendo em conta o número crescente de doentes e a simultânea escassez de especialistas, sobretudo na área da dor e das doenças mentais, as oportunidades oferecidas pelas aplicações digitais de saúde devem ser utilizadas de forma direcionada. Estas aplicações não substituem a relação pessoal médico-doente, mas constituem um complemento valioso que coloca o doente no centro da terapia e lhe permite gerir ativamente a sua saúde.
Tendências digitais para doentes com dor
Da inteligência artificial (IA) à realidade virtual(RV) – as tendências digitais estão a desempenhar um papel cada vez mais central na terapia da dor e a revolucionar a forma como as doenças crónicas são tratadas. Para além da inteligência artificial, que é utilizada nos calendários digitais da dor ou DiGAs, por exemplo, a realidade virtual (RV) também se tem tornado cada vez mais importante na terapia da dor. A RV oferece aos doentes a oportunidade de mergulharem numa realidade diferente através de simulações imersivas, reduzindo assim a sua dor de uma forma direcionada. As chamadas terapias de distração têm-se revelado particularmente eficazes para doentes com dores crónicas, como dores nas costas ou queixas neuropáticas. Estudos demonstram que as aplicações de RV podem reduzir a perceção da dor através da utilização de estímulos sensoriais e visuais, “abduzindo” o cérebro para cenários positivos e sem stress.
Outra abordagem promissora é a combinação da RV com técnicas de biofeedback, em que os doentes aprendem a controlar a tensão corporal e os níveis de stress através de feedback visual e auditivo. Esta combinação inovadora de realidade virtual e fisiologia tem o potencial de reduzir a dor a longo prazo e ajudar os doentes a compreender e controlar melhor as suas reacções físicas. O futuro da terapia digital da dor promete ainda mais avanços.
O campo crescente da realidade aumentada (RA), em que a informação digital é projectada no mundo real, é particularmente interessante. Esta tecnologia poderia ser utilizada na terapia da dor para mostrar aos doentes, em tempo real, exercícios físicos ou técnicas de meditação diretamente adaptados às suas necessidades individuais de dor.
Os desafios da digitalização
Apesar de todo o potencial e dos progressos realizados com a ajuda das tecnologias de IA, há ainda algumas questões éticas fundamentais que continuam sem resposta. Estas incluem, por exemplo, a questão da responsabilidade e da obrigação. Quem é responsável se um diagnóstico apoiado pela IA estiver errado? O médico, a equipa de desenvolvimento do software ou a instituição que utiliza a tecnologia? Esta questão sobre a atribuição de responsabilidade é de importância crucial, especialmente em casos de decisões erradas ou de erros de tratamento.
A isto juntam-se a transparência e a rastreabilidade. Os algoritmos de IA são frequentemente uma “caixa negra” cujos processos de decisão são difíceis de compreender pelos humanos. A falta de transparência pode minar a confiança dos doentes e dos médicos. A rastreabilidade deve continuar a ser um princípio bioético central para garantir que a tecnologia continue a ser fiável. É igualmente importante garantir a proteção da privacidade e impedir a utilização indevida, por exemplo, por companhias de seguros ou empregadores.
Por último, mas não menos importante: apesar da precisão técnica, os sistemas automatizados e a crescente digitalização da medicina podem comportar o risco de perder o elemento humano nos cuidados de saúde. A empatia e os cuidados comunicativos não devem ficar em segundo plano quando as máquinas apoiam cada vez mais as decisões clínicas.
Fonte: Congresso Alemão de Dor 2024: “NÓS! Dr. Dagny Holle-Lee, PD Dr. Lars Neeb, Aplicações digitais de saúde – uma oportunidade em tempos de escassez de recursos?!, Inteligência artificial para realidade virtual – Que tendências digitais já estão a beneficiar as pessoas com dor crónica hoje em dia, o que podemos esperar?, Desafios bioéticos na transformação tecnológica no diagnóstico e tratamento.
InFo NEUROLOGIE & PSYCHIATRIE 2024; 22(6): 25 (publicado em 5.12.24, antes da impressão)