Sendo um linfoma cutâneo de células T com um curso eritrodérmico, a síndrome de Sézary é uma entidade rara. No entanto, esta doença prognosticalmente desfavorável já chegou ao conhecimento da maioria dos médicos, pelo menos em teoria. Isto pode dever-se ao quadro clínico cativante, bem como ao nome próprio. Mas de onde é que isto vem realmente?
Em 1938, um paciente com excesso de peso apresentou-se no Hôpital Saint-Louis em Paris com uma forte comichão e um impressionante avermelhamento escamoso da pele. A doença tinha-se propagado da parte superior das costas para todo o corpo durante cinco meses. Um exame mais atento revelou também gânglios linfáticos inguinais inchados. O professor de dermatologia Albert Sézary, então com 58 anos de idade, foi confrontado com o seu primeiro caso de síndrome que mais tarde teria o seu nome. Em biópsias de pele e amostras de sangue do seu paciente, ele descobriu células gigantes invulgares – “cellules monstreuses” – com núcleos que quase encheram todo o corpo celular. Já tinha notado células semelhantes na pele de doentes com micose fungóide, mas não no sangue. Sézary anotou o caso.
Apenas um mês mais tarde, seguiu-se a segunda descrição de um quadro clínico semelhante, desta vez de um paciente de 69 anos de idade em condições extremamente deficientes. Sézary propôs “paramycosis hémotrope” como o nome da entidade recentemente descoberta, em referência às micose fungoides aparentemente relacionadas. Em 1942, o dermatologista escreveu outra descrição do caso e em 1949 – após o fim da agitação da Segunda Guerra Mundial – um tratado mais detalhado sobre a doença com várias ilustrações. Todos os pacientes tinham morrido nos 40 meses seguintes à apresentação inicial.
Uma vida para a medicina
No entanto, a influência de Sézary na história médica vai muito além do óbvio, a primeira descrição da síndrome de Sézary. Assim, o médico dedicou grande parte da sua vida à investigação da sífilis e das doenças endocrinológicas, especialmente as glândulas supra-renais. Em 1921 foi o primeiro a utilizar o tratamento combinado com arsénico e bismuto para a terapia da sífilis. Também desempenhou um papel importante na introdução de estovarsol para o tratamento de neurosífilis, o que representou um avanço significativo. Outras áreas de investigação incluíram testes de alergia cutânea e as neoplasias do sistema reticuloendotelial, tais como as histiocitoses, que nessa altura foram agrupadas sob o termo “reticuloses”.
No total, Sézary publicou cerca de 830 peças escritas ao longo dos seus 75 anos de vida. A sua carreira clínica começou na medicina interna e neurologia, primeiro na sua terra natal de Argel, na Argélia, e depois em Paris. Seguiu-se uma mudança para a dermatologia. Entre outros cargos, Sézary foi chefe de departamento no Hôpital Broca e Hôpital Saint-Louis em Paris. Foi professor de dermatologia e venereologia na Universidade de Paris a partir de 1927.
As duas guerras mundiais, que o médico nascido em 1880 viveu com toda a força, deixaram vestígios profundos na sua vida. Enquanto serviu no corpo médico durante a Primeira Guerra Mundial e recebeu a Ordem de Mérito da Legião de Honra em 1917, dirigiu a clínica de dermatologia em Tours após o surto da Segunda Guerra Mundial. Aí, após a ocupação alemã, Sézary confirmou um diagnóstico de sífilis a muitas pessoas saudáveis e salvou-as assim da deportação. Em 1942, ele próprio teve de fugir e só por pouco escapou à execução.
Com os seus diversos interesses médicos e as rupturas abruptas causadas pelas duas guerras, havia aparentemente pouco espaço para assuntos privados. Sézary partilhou uma casa com a sua mãe e uma criada, Carmen. Só quando a sua mãe morreu em 1944 é que casou aos 63 anos de idade. Assistiu a palestras até à sua morte em 1956 e diz-se que atribuiu grande importância à pontualidade. Recusou-se a apertar a mão aos estudantes que se atrasaram mesmo segundos. Hoje em dia, provavelmente teria de pensar noutra coisa para conseguir o efeito desta medida na altura.
Fonte: Steffen C: O homem por detrás da dermatologia do epónimo em perspectiva histórica: Albert Sézary e a síndrome de Sézary. Am J Dermatopathol. 2006; 28(4): 357-367.
Literatura:
- Bagot M: Síndrome de Sézary. Orphanet. Situação Agosto de 2013. www.orpha.net (último acesso 01.05.2021)
InFo ONCOLOGy & HaEMATOLOGy 2021; 9(3): 30